Ufam realiza primeira defesa de doutorado integralmente indígena no Brasil
Na próxima quarta-feira, 10 de dezembro, às 9h, em formato hibrido, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas (PPGAS/Ufam), ocorre a defesa de tese intitulada “Pamüse: A força do sopro e da saliva entre os dessana wahri dihputiro porã no alto Rio Negro”. O trabalho é de autoria do doutorando Jaime Moura Fernandes, Diakara, da etnia Desana, e é a primeira defesa de doutorado integralmente (candidato, coorientação, banca, texto e arguição) indígena no Brasil.
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Fazem parte da banca os doutores João Paulo Barreto/ Tukano (presidente), Silvio S. Barreto/ Baré, Justino S. Rezende/ Tuiuka, Rosilene Fonseca/ Piratapuya e João Rivelino Barreto/ Tukano. A tese revela um profundo estudo sobre a cosmologia indígena e os modos tradicionais de produção e uso do caxiri, bebida fermentada central à vida social e ritual dos povos do Rio Negro.
Sobre a pesquisa
A pesquisa mostra que, entre os Desana, dois elementos são fundamentais para compreender a força transformadora presente nas festas e rituais: o sopro do kumu, especialista detentor de conhecimento, e a saliva feminina, potência ancestral que atravessa a fabricação do caxiri e dos utensílios utilizados nas cerimônias. Para o autor, o corpo da mulher é visto como um microcosmo, um “vaso de vida”, conectado à Avó da Argila, enquanto o cocho de madeira esculpido pelos homens é compreendido como extensão do corpo masculino e do herói cultural Bahsebo.
O trabalho descreve como, durante as cerimônias, a mulher ativa a bebida por meio de movimentos circulares e da força de sua saliva, e como o kumu potencializa o caxiri por meio do basese, sopros de fumaça e palavras ritualizadas que transformam o sabor, a energia e os efeitos da bebida. Essas ações fazem do caxiri um veículo de conhecimento, memória, criatividade, música e afetos, mas também de tensões, que são cuidadosamente monitoradas pelos especialistas durante as festas.
Fernandes-Diakara também analisa as mudanças ocorridas no modo de produzir e consumir o caxiri. Utensílios tradicionais foram substituídos e essas transformações, segundo os mais velhos, têm mudado os efeitos da bebida e provocado doenças antes inexistentes.
A tese registra ainda o deslocamento do sentido ritual do caxiri: o que antes era prática cosmopolítica, de aprendizagem e renovação dos laços coletivos, hoje aparece em festas religiosas e escolares, muitas vezes desvinculado dos princípios tradicionais. Apesar disso, o pesquisador aponta que o sentido profundo da bebida, sua força de vida, memória e transformação, permanece vivo, latente, e continua sendo atualizado pelas narrativas e pela resistência cultural das novas gerações.
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