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"Variação linguística regional falada pela população do Norte é vista com preconceito por alguns brasileiros de outras regiões", afirma pesquisadora em linguística do Icsez (Ufam/Parintins)

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Por Hellen Picanço e Juscelino Simões                  Edição: Juscelino Simões            Revisão: Rozana Soares 

Foto: arquivo Hellen Picanço 

A variação linguística regional falada pelo povo do Norte, especificamente no Amazonas, foi construída a partir do contato linguístico com as línguas indígenas da região. Tanto a língua portuguesa sofreu e sofre influência das línguas indígenas quanto às línguas indígenas receberam e ainda recebem a interferência do português.  A equipe da Assessoria de Comunicação entrevistou a professora Hellen Cristina Picanço Simas, pesquisadora do Estudo da Linguagem.

A docente do curso de Comunicação Social/Jornalismo do Instituto de Ciências Sociais, Educação e Zootecnia da Universidade Federal do Amazonas (ICSEZ/Ufam), em Parintins, Hellen Cristina Picanço Simas, divulgou, na última terça-feira (16), artigo no qual define como preconceituosa a forma com que algumas pessoas comentam as expressões faladas pela população da região Norte.

A variação linguística regional falada pelo povo do Norte, especificamente no Amazonas, foi construída a partir do contato linguístico com as línguas indígenas da região. Tanto a língua portuguesa sofreu e sofre influência das línguas indígenas quanto às línguas indígenas receberam e ainda recebem a interferência do português. Palavras como cunhantã, curumim, pitiú, tuíra, dentre outras são exemplos da rica contribuição de origem indígena ao léxico do português falado pelos amazonenses. A língua frente ao contato linguístico sofre mudanças, pois é viva: “A língua que falamos, não importando a sociedade a que pertencemos, a época, e o lugar, será sempre heterogênea, diversificada, instável, sujeita a transformações. Seria estranho se nossa língua permanecesse estável”, afirmou o linguista Marcos Bagno. A fala amazonense, portanto, guarda, nas suas estruturas fonética, fonológica, morfológica, semântica e lexical, por exemplo, marcas deste contato linguístico. Esta fala marca a identidade amazonense, por isso devemos nos orgulhar dela.

Segundo a professora, a fala do amazonense é vista por alguns brasileiros com preconceito devido a estereótipos e juízos de valor negativos associados a essa variante linguística. O preconceito linguístico ocorre quando as pessoas fazem uma classificação convencional do que é certo e errado na língua, associando a situação social do falante à variante que ele utiliza. No caso da fala amazonense, há um estereótipo de que as pessoas do Norte são selvagens, vivem no mato e não têm acesso às tecnologias, o que leva a uma associação negativa com a variante linguística. 

Tal riqueza, no entanto, é vista por parte dos brasileiros com preconceito, ou seja, fazem um juízo de valor negativo sobre aquele que fala o dialeto também chamado “amazonês”, como no livro do escritor e professor da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Amazonas, Sérgio Freire, ‘Amazonês: expressões e termos usados no Amazonas’, chegando a terem atitudes de deboche, risos e, até mesmo, chegam a pensar que aquele que fala aquela variante é menos inteligente de quem fala outra variante prestigiada pela sociedade. O que é um equívoco, pois uma variante é um modo de usar a língua dentre vários outros, não significa que é errado ou uma forma inferior do uso da língua, simplesmente é um uso diferente. “A classificação meramente convencional do que é certo e er­rado na língua serve para classificar os indivíduos como competentes ou incapazes, e é assim que se plasma o preconceito linguístico”, afirmou o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Dante Lucchesi Ramacciotti. Todas as variantes faladas no Brasil permitem a comunicação e são iguais, não existe uma superior a outra, o que leva as pessoas a considerarem uma melhor que a outra é a associação que fazem entre a situação social do falante e a variante que fala, ou seja, há um estereótipo de que as pessoas do Norte são selvagens, vivem no mato, não tem acesso às tecnologias. Logo, a fala dos amazonenses carrega consigo também está representação equivocada e estereótipos sobre seu povo. Estas atitudes negativas em relação à fala do amazonense se configuram como preconceito linguístico.

Este pensamento não se sustenta, porque cada língua representa a identidade de um povo, elas registram como cada povo vê e se relaciona com o mundo.  “Os seres humanos adotam relacionamentos diferentes com seu meio em razão de sua sensibilidade, ou de seus respectivos modos de ver e perceber as coisas. Seu pensamento e linguagem os orientam em direção ao mundo em que vivem, e não de acordo com normas cognitivas a priori. E as variações linguísticas, portanto, também são um reflexo das diferenças nas coisas que os seres humanos percebem”,  disse o linguista, antropólogo e filósofo, Ulric Ricken.Por isso, devemos nos orgulhar da forma como falamos o português, porque as expressões como olha já, purrudo, pávulo, dentre outras, são únicas e traduzem o jeito amazonense de se relacionar com as pessoas e com tudo que lhe cerca. Não se pode traduzir com a mesma exatidão os sentimentos nestas palavras registrados para outras expressões de outro dialeto. Elas são únicas e fazem parte da identidade do povo do Amazonas. Por isso, devemos respeitar cada modo de falar o português e, principalmente, nos orgulhar do nosso jeito amazônico de ser, viver e falar.

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