Consuni aprova por unanimidade a concessão do título de Doutor Honoris Causas aos escritores Márcio Souza e Milton Hatoum
O Conselho Universitário da Universidade Federal do Amazonas (Cosuni/Ufam), na última quinta-feira, 15 de setembro, aprovou por unanimidade a concessão de título de Doutor Honoris Causa aos escritores Márcio Gonçalves Bentes de Souza e Milton Assi Hatoum. A propositura teve início no Departamento de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (DCS/IFCHS) e foi relatada pelos docentes e conselheiros Cláudio Gomes da Vitória (Presidente), Geone Maia Corrêa (Membro) e Ana Cristina Fernandes Martins (Membro).
Segundo a Resolução nº 001/2007- Consuni/Ufam, Doutor Honoris Causa é uma personalidade que tenha se distinguido seja pelo saber, seja pela atuação em prol das Artes, das Ciências, da Filosofia e das Letras ou do melhor entendimento entre os povos. Durante a reunião, o presidente do Consuni, reitor Sylvio Puga, parabenizou o IFCHS pela iniciativa e a Comissão responsável pelo parecer.
"Parabenizo o Conselho Universitário pela decisão unânime. Estamos honrados e felizes pelos novos doutores Honoris Causa e tão logo o Instituto faça o contato com os agraciados já é possível tomar as providências para que essas honrarias sejam concedidas ainda em 2022”, afirmou o reitor.
Parecer da Comissão
A Comissão Relatora fez um apanhado sobre a trajetória literária e obras dos escritores Márcio Bentes Gonçalves Souza e Milton Assi Hatoum. “Diante do exposto, ao considerar as contribuições dos escritores em tela e suas reconhecidas contribuições no âmbito da literatura diante das premiações recebidas, bem como as contribuições ao cinema e teatro respectivamente, em âmbito local, nacional e internacional, que projetaram o Amazonas e a Amazônia ao mundo, por intermédio de suas obras, somos de parecer favorável à concessão do título de Doutor Honoris Causa aos escritores Márcio Gonçalves Bentes de Souza e Milton Assi Hatoum, considerando, ainda, o Art. 9º da Resolução nº 001/2007-Consuni que limita a quantidade de concessões do título em destaque ao ano”, votou a Comissão formada pelos professores Cláudio Gomes da Vitória (Presidente), Geone Maia Corrêa (Membro) e Ana Cristina Fernandes Martins (Membro).
Conselho
O conselheiro José Eduardo Gomes Domingues lembrou que esse é um processo de reconhecimento de dois grandes escritores brasileiros e desse estado. “Quem quer conhecer e compreender a Amazônia deve ter dentre as referências os dois autores. Lê-los é um prazer. Parabéns pelo reconhecimento feito pelo Instituto e ao relato da Comissão que conta a trajetória desses dois grandes autores que tratam da nossa história por meio da literatura”, enfatizou o docente.
Segundo a professora Fabiane Maia Garcia, são dois escritores que falam muito do que nós somos ao resgatar nossa identidade amazônica. “Ter esses dois autores reconhecidos é um momento histórico porque eles contribuíram para a valorização do que nós somos e para nos identificarmos como nortistas, com sentimento de pertencimento, inclusive, dentro das práticas científicas cotidianas”, destacou a conselheira.
A diretora do IFCHS, proponente da propositura, a docente Iraildes Caldas, agradeceu ao Conselho a acolhida e a concessão do pedido. “Nós temos a alegria de dizer que o Milton Hatoum é do Amazonas, sendo uma personalidade mundial, que engrandece a literatura ocidental. Podemos também dizer que Márcio Souza, tanto na dramaturgia quanto nos estudos sobre a Amazônia, tem uma grande contribuição para o nosso estado e nossa região. É bem merecida essa honraria e gostaria de agradecer aos colegas que compuseram a Comissão e elaboraram o parecer”, finalizou.
Márcio Souza
Márcio Gonçalves Bentes de Souza é romancista, dramaturgo, ensaísta, contista e diretor de cinema. Sua obra se destaca pela sua busca constante em desvendar a Amazônia, desde o processo de colonização do Norte do país, a exploração do látex na passagem do século XIX para o XX, durante o chamado ciclo da borracha, a questão indígena e os abismos sociais nascidos do embate entre modernidade e arcaísmo na região se constituem em matéria-prima de suas narrativas.
Ainda na adolescência, escreveu críticas de cinema para jornais e participou da fundação do Grupo de Estudos Cinematográficos de Manaus. Mudou-se para São Paulo em 1965 e ingressou no curso de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo (USP). Na mesma época, trabalhou como roteirista para produtores da Boca do Lixo. Publica O Mostrador de Sombras (1967), coletânea de ensaios sobre cinema, dirige o curta-metragem Bárbaro e Nosso (1969), e realiza o filme A Selva (1972). Em 1973 volta a Manaus, ingressa no Teatro Experimental do Sesc (TESC) e assume um cargo na Fundação Cultural do Amazonas.
Marcio Souza passa a ter maior projeção na literatura com o romance Galvez, Imperador do Acre (1976). Partilhando do desejo de experimentação que orienta nossa literatura nos anos 1970, sua ficção retoma, sob chave cômica, a tradição brasileira do romance histórico, gênero cultivado no país desde o romantismo por autores como José de Alencar (1829-1877). Satirizando episódios da história da Amazônia, Galvez, Imperador do Acre, seu mais famoso livro, narra a trajetória de Luiz Galvez, aventureiro espanhol que chega ao Brasil e é coroado imperador do Acre depois de cumprir inúmeras peripécias. Valendo-se de recursos como a colagem e o fragmento, a paródia e o burlesco, o hibridismo entre a linguagem jornalística e literária, o livro mantém um vivo diálogo com o movimento modernista brasileiro, sobretudo com as ideias de Oswald de Andrade (1890-1954).
Outro livro de sucesso de Márcio Souza é Mad Maria (1980), adaptado para uma minissérie televisiva em 2005. Por meio da conjunção de personagens e fatos fictícios e reais, o livro narra a construção da Ferrovia Madeira-Mamoré, ocorrida entre 1907 e 1912, para integrar a Amazônia brasileira à Bolívia. O título da obra faz referência à locomotiva a vapor, apelidada no Brasil, no início do século XX, de Maria Fumaça, e ao ambiente de insanidade que sua chegada promove. Em um calor infernal e com grandes desafios naturais (como a infestação de escorpiões após as chuvas), os trabalhadores, de diferentes etnias, envolvem-se em constantes conflitos por motivos banais, que demonstram o abandono de leis, regras e da própria razão; o que explica o nome louca (mad, em inglês) Maria.
Entre 1981 e 1982, publica em folhetim A Resistível Ascensão do Boto Tucuxi, no jornal Folha de S.Paulo. Transfere-se para o Rio de Janeiro em 1983 e lança o romance A Ordem do Dia (1983). Em 1984 funda a editora Marco Zero. Intelectual engajado, também redige ensaios sobre problemas culturais e sociais da Amazônia, como A Expressão Amazonense (1978) e O Empate contra Chico Mendes (1986). Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), dirigiu o Departamento Nacional do Livro e a Fundação Nacional de Artes (Funarte).
Publica a tetralogia Crônicas do Grão-Pará e Rio Negro, composta dos romances Lealdade (1997), Desordem (2001), Revolta (2005) e Derrota (2006). Essa obra apresenta, por meio de ficção, momentos históricos relevantes do Pará, explorando especialmente o movimento da Cabanagem, ocorrido entre 1783 e 1840. Registra, assim, a reação do Norte à tentativa de unificação do território e de construção de uma identidade nacional, Márcio Souza mostra o desejo de independência dessa região e sua discordância com o centro político-cultural brasileiro da época, um momento, de certa forma, apagado pela história tradicional que narra o forjar da nação brasileira.
Em 2009, lança o livro História da Amazônia: do período pré-colombiano aos desafios do século XXI. Fruto de duas décadas de pesquisa, o livro compila a história da Amazônia, desde a chegada do Homo sapiens, há 40 mil anos, até os dias de hoje. De acordo com o autor, a ideia de escrever a obra nasce de sua experiência docente na Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, no final da década de 1990, quando ministra alguns cursos e descobre que não há nenhuma obra em que a história da Amazônia é compilada e consolidada.
Uma das mais importantes vozes da moderna literatura brasileira, Márcio Souza é dono de uma obra variada, que transita por diferentes gêneros e linguagens artísticas, tendo no romance, no teatro e no ensaio histórico-sociológico seus principais veículos de expressão e desenvolvimento. Ainda que diversificada, sua produção é atravessada pelo tema constante da história da região amazônica. A partir de seu olhar, o Brasil e o mundo podem desbravar a Amazônia e conhecer a riqueza de sua história e de seu povo.
Obras
Galvez, Imperador do Acre; Mad Maria; A Resistível Ascensão do Boto Tucuxi; As Folias do Látex; A expressão amazonense (1977); A ordem do dia: folhetim voador não identificado (1983); Operação silêncio (1978); Tem piranha no pirarucu (1980); O palco verde (1984) - Ensaio para o Teatro; A Condolência (1994); Mostrador de Sombras (1967); A caligrafia de Deus (1994); Breve história da Amazônia (1994); O Empate contra Chico Mendes (1995); O fim do terceiro mundo (1995); Anavilhanas: o jardim do Rio Negro (1996) coautoria com José de Paula Machado; O brasileiro voador: um romance mais leve que o ar (1996); Crônicas do Grão-Pará e Rio Negro: tetralogia (1997); Silvino Santos: o cineasta do ciclo da borracha (1999); Entre Moisés e Macunaíma (2000) em coautoria com Moacyr Scliar; Fascínio e repulsa: estado e cultura no Brasil (2000); Lealdade (2001); A paixão de Ajuricaba (2005); Chico Mendes (2005); Revolta (2005); História da Amazônia: do período pré-colombiano aos desafios do século XXI (2009); A substância das sombras: cinema arte do nosso tempo (2010); Amazônia Indígena (2015).
Prêmios
Prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte, de Literatura em Ficção, em 1997, pela obra Lealdade.
Milton Assi Hatoum
Romancista, contista, professor e tradutor. Milton Assi Hatoum, destaca-se por retratar conflitos pessoais e familiares no contexto geográfico, histórico e sociocultural da Amazônia, inspirando-se em sua vivência como descendente de libaneses e como migrante pelo Brasil.
É autor de romances como Relato de um certo Oriente (1989), livro de estreia, publicado quando tinha 37 anos. O romance é ambientado em Manaus e relata os conflitos de uma família de libaneses, introduzindo questões sobre a construção da identidade do imigrante, um tema característico da obra de Hatoum.
Suas obras, pertencentes à literatura contemporânea, são caracterizadas pelo teor memorialístico, elementos regionais e hibridismo cultural. Além disso, é recorrente a presença de personagens melancólicos.
Onze anos após a publicação do primeiro romance, Milton publica Dois Irmãos (2000). Entre a publicação do primeiro livro e do segundo, publicou diversos contos em jornais e revistas brasileiras e do exterior.
Em 2001, ganhou o Prêmio Jabuti pelo seu romance Dois irmãos e, em 2006, pelo romance Cinzas do Norte, que também ganhou o Prêmio Portugal Telecom. O livro ainda recebeu o Grande Prêmio da Crítica da APCA, o Prêmio Bravo! e o Prêmio Livro do Ano da CBL. Além disso, em 2008, Milton Hatoum recebeu a Ordem do Mérito Cultural. No ano seguinte, ganhou outro Jabuti pelo seu livro Órfãos do Eldorado. Atualmente, é colunista do jornal O Estado de S. Paulo. Em janeiro de 2017, Dois Irmãos estreou em formato de minissérie na TV Globo, com direção de Luiz Fernando Carvalho.
Obras
Relato de um certo Oriente (1989); Dois irmãos (2000); Cinzas do Norte (2005); Órfãos do Eldorado (2008); A cidade ilhada (2009); Um solitário à espreita (2013); A noite da espera (2017).
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