“Conseguimos a homologação da terra, mas não é respeitada. Continuamos a luta”, disse Davi Kopenawa, xamã Yanomami, durante palestra na Ufam
Na tarde da última terça-feira, 22 de abril, a Universidade Federal do Amazonas (Ufam) recebeu Davi Kopenawa, xamã Yanomami, ativista indígena e uma das mais importantes lideranças indígenas do Brasil, além de referência internacional na defesa dos direitos dos povos originários e da floresta Amazônica. A visita inédita celebra as defesas de dissertação de três discentes Yanomami, oriundos da região do Médio Rio Negro (Santa Isabel do Rio Negro), matriculados como alunos fora de sede no Programa de Pós-Graduação Sociedade e Cultura na Amazônia (PPGSCA/Ufam). O evento aconteceu no Auditório Eulálio Chaves, com transmissão online, e apresentações dos bois Garantido e Caprichoso e da ciranda Tradicional.
Davi Kopenawa é conhecido por sua luta de décadas em defesa dos povos indígenas e do meio ambiente. O xamã foi figura-chave para a demarcação da Terra Indígena Yanomami e coescreveu o livro “A Queda do Céu”, um relato sobre a cosmovisão yanomami e os impactos do contato com o “povo da mercadoria”. Também é autor do livro “O Espírito da Floresta” e doutor Honoris Causa pelas Universidades Federais de Roraima (UFRR) de São Paulo (Unifesp).
Kopenawa iniciou sua fala na língua Yanomami e trouxe temas como a preservação da Amazônia, demarcação de terras indígenas, trajetória da Hutukara Associação Yanomami (HAY) e saberes do povo Yanomami em ambientes universitários. “Os meus primos escreveram sobre a nossa sabedoria e vamos mostrar isso para os brancos. Os brancos pensam que os Yanomami não sabem de nada e são como animais, mas Yanomami é inteligente. O pensamento e a língua Yanomami são ricos, mas não de dinheiro. Somos nós que cuidamos da beleza da nossa Amazônia”, enfatizou o xamã.
Davi, junto a outras lideranças, tem sido a voz que denuncia os invasores e pede por melhores condições de vida para os Yanomami. O indígena lembrou também que foi ensinado a lutar, defender os direitos indígenas e que os discentes da Ufam foram ensinados a escrever para que os homens brancos tenham conhecimento sobre os saberes Yanomami. “Todos os povos indígenas que estão na universidade estudando, querendo aprender para ser professor, advogado, dentista, médico, podem ir. Depois voltem para nos ajudar. Voltem e cuidem do nosso povo”, disse. O xamã foi um dos fundadores e, atualmente, preside a Hutukara Associação Yanomami (HAY), considerada a mais representativa da Terra Indígena Yanomami, há mais de 20 anos.
Na abertura do evento, durante a mesa de honra, o reitor da Ufam, professor Sylvio Puga, falou sobre o processo licitatório de construção do campus da Ufam em São Gabriel da Cachoeira e o apoio da Ufam para a universidade indígena. “O processo licitatório está avançado. Há 30 anos atuamos em São Gabriel da Cachoeira nos cursos de graduação. Agora, temos o mestrado e logo mais, teremos um doutorado, levando a Ufam a ser uma Universidade cada vez mais indígena”, relembrou.
O representante do Ministério da Educação (MEC) e coordenador geral de Políticas para a Juventude do MEC, Yann Furtado, disse que essa era uma oportunidade de ouvir. “Em momentos como esse, diante do Davi Kopenawa, todos nós devemos mais ouvir do que falar personalidades com a relevância para a Amazônia e para o mundo como o xamã”, afirmou.
Sobre os discentes
Os discentes da turma de 2023, Odorico Xamatari Hayata Yanomami, Edinho Yanomami Yarimina Xamatari e Modesto Yanomami Xamatari Amaroko são licenciados pela Ufam no curso de Licenciatura Indígena – Políticas Educacionais e Desenvolvimento Sustentável – Yanomami, e atuam como professores do ensino básico em língua Yanomami em um dos Xapono localizados no Rio Marauiá (Santa Isabel do Rio Negro). Defenderam as suas dissertações dia 23 de abril, e como educadores em suas comunidades, exercem também uma forma de liderança política, construindo pontes entre o saber tradicional e a formação escolar.
Durante o mestrado, cada um escolheu estudar as próprias ancestralidades e registrar, a partir de sua perspectiva, aspectos fundamentais do saber tradicional Yanomami, como forma de valorização, preservação e transmissão desses conhecimentos às próximas gerações. Modesto Yanomami Xamatari Amaroko destaca a honra de ter um parente na sua banca de mestrado. “Meu trabalho faz uma reflexão sobre as músicas e a cantoria dentro dos saberes Yanomami. Espero que eu tenha uma boa resposta do meu parente Davi Kopenawa sobre o trabalho”, disse.
O coordenador do PPGSCA, professor Caio Souto, enfatizou que os discentes do PPGSCA são egressos da Ufam, em uma licenciatura que foi oferecida na comunidade e chegaram na Pós- graduação. “O Programa é interdisciplinar e tem uma turma em São Gabriel da Cachoeira com 30 alunos indígenas, de 10 etnias diferentes, e uma delas é a Yanomami. O PPGSCA tem o compromisso de celebrar a cultura e o conhecimento indígena brasileiro dentro da universidade pública no nosso país. A participação de Davi Kopenawa nas bancas reafirma o lugar central das vozes indígenas na produção de conhecimento e ressalta a importância das políticas afirmativas que possibilitam o acesso e a permanência de estudantes indígenas na pós-graduação pública. Há a superação de obstáculos institucionais, linguísticos e culturais que, por muito tempo, invisibilizaram os saberes indígenas nos espaços universitários”, destacou. O professor finalizou lembrando também que há editais abertos de mestrado e doutorado em São Gabriel da Cachoeira.
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