‘Se a ciência estiver no rumo certo, mais valerá floresta em pé do que em forma de carvão’, diz professor da Ufam
Por Rômulo Araújo
Do PPGSCA
Enquanto a região amazônica registra em agosto recorde de focos de incêndio nos últimos nove anos e o governo proíbe queimadas no Brasil, exceto para agricultura fora da Amazônia Legal, os debates em torno do tema ascendem. “Se as ciências estiverem no rumo certo, mais valerá a floresta em pé do que no chão em forma de carvão”, diz o professor do Programa de Pós-Graduacão em Sociedade e Cultura na Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Glaucio Matos, autor de pesquisa que trata do uso do fogo na região como prática cultural de povos que habitam a Amazônia há séculos. “Essa discussão ambiental e as providências a serem tomadas mexem com as populações tradicionais”, complementa.
“É bom entendermos que dada às peculiaridades da região, geográfica e culturalmente absolvida pelos grupos indígenas, o amazônida se apropria do fogo para limpeza da terra, a fertilização do solo e para o controle da natureza. Esse elemento natural é importante no modo de vida dos moradores da região e isso deve ser entendido. Então, no momento que os mecanismos de controle, que foram aparentemente enfraquecidos e os focos de fogo têm aumentado, devem levar em consideração o modo de vida do amazônida, que se apropria do fogo não como um mecanismo de destruição, mas de trabalho”, recomenda o pesquisador.
Autor do livro “Ethos e figurações na hinterlândia amazônica”, Matos explica que o fogo na região deve ser compreendido sob os aspectos cultural e civilizacional. “Do ponto de vista cultural, devemos compreender como as populações amazônicas se apropriam dele e, em uma discussão mais ampla, do ponto de vista civilizacional, o momento é bem oportuno para nós entendermos como as nações estão preocupadas com o fogo na região amazônica, devido à importância que a floresta assume para as relações ecológicas que não se limitam ao território brasileiro. Tal entendimento tem colocado a região amazônica no palco da discussão internacional”, observa o docente, que há 28 anos leciona na Ufam.
Há quase um mês na mídia, agravado pelo aumento das queimadas na região e por controversos anúncios e decisões por parte do poder executivo federal, a Amazônia entrou na pauta de discussões global e, para Gláucio, o país precisa estar atento a essas discussões que tratam para além da agenda ambiental, mas também de questões políticas, sociais e econômicas, enquanto o mundo aguarda providências.
“O Brasil não tem uma autonomia relativa para dizer o que vai fazer e o que quer fazer com a floresta, sem dar atenção as pressões internacionais que estão ocorrendo. A primeira pressão que surge é a econômica e essa barreira assusta, em um país capitalista, empresários e governantes. Então, falar de fogo e você ter barreiras econômicas como a importação da carne, por exemplo, vai mexendo com a economia do país”, avalia o pesquisador, que também coordena o Grupo de Pesquisa Processos Civilizadores na Pan-Amazônia/GPPCPAN, vinculado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com mais de 20 integrantes.
Além da questão do fogo na região, o professor destaca em tom de alerta sobre os recursos hídricos. “Com relação ao uso da água, estamos muito aquém, ainda estamos nos civilizando. Ainda não sentimos o efeito coercitivo da escassez da água. Temos que levar em consideração que quem está na abundância da água, desencadeia um comportamento diferente de quem está na escassez. A água é um recurso finito e precisamos, não só na região amazônica, nos civilizarmos com relação ao tratamento e uso da mesma. Pelo que tudo indica, esse é um desafio no curso do processo civilizador, isto é, a compreensão da finitude dos recursos naturais, entre eles água e floresta e as consequências para vidas humanas e não humanas”, pondera Matos.
Por fim, e em síntese, Gláucio considera que a preocupação com a queima da floresta é resultado de um longo processo de aprendizagem que não iniciou no Brasil, nem na Floresta Amazônica, mas nos países, principalmente, europeus. “Temos que entender um ponto importante que serve para todas as civilizações, qual seja o nível que estejam, independente se a floresta vai ser queimada, derrubada e desertificada, isso não importa para a natureza, ela segue seu rumo, sem pedir licença. Portanto, o problema não é para a natureza, é para nós seres humanos, pois esquecemos que somos natureza também”, finaliza o estudioso da teoria processual e figuracional do sociólogo alemão Norbert Elias e de sua aplicação prática no entendimento dos processos sociais.
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