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Pensamento de Rousseau e conhecimento Jamamadi balizam discussão em palestra promovida pelo Neai/PPGAS  

  • Publicado: Terça, 20 de Agosto de 2019, 14h35
  • Última atualização em Quarta, 21 de Agosto de 2019, 10h59
  • Acessos: 2160

Por  Sebastião de Oliveira
Equipe Ascom Ufam

O pensamento de Jean-Jacques Rousseau, filósofo do século XVIII, nunca esteve tão presente na Universidade Federal do Amazonas (Ufam) como na palestra “Rousseau na Amazônia: uma herborização selvagem”, proferida pela antropóloga Karen Shiratori. Ela convergiu a uma análise entre o pensamento do filósofo francês e o conhecimento do povo Jamamari (AM).  O evento ocorreu na tarde desta segunda-feira, 19, na sala de aula do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS).

Conforme explicou a pós-doutoranda do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Centro de Estudos Ameríndios (CESTA), antropóloga Karen Shiratori, o artigo apresentado na palestra resultou do desdobramento da pesquisa etnográfica junto ao povo Jamamari, e é considerado ainda como inacabado, mas que contorna a experimentação das concepções de Rousseau a partir do conhecimento ocidental, com especificidade quanto aos ameríndios da Amazônia.

Para a antropóloga que, originalmente, vem do campo da Filosofia, graduada pela USP, esta é uma reconciliação com a disciplina e uma tentativa de compreender questões impostas pela Antropologia. Ela acredita que não há qualquer ousadia na proposta apresentada, pois, segundo a pesquisadora, “trata-se de aproveitar uma brecha deixada por alguns filósofos em perceber que a distância entre Filosofia, Antropologia e Povos Indígenas, perpassa em pontos de contatos e divergências, devem ser relacionais”.

Assim como outros profissionais da Filosofia, a estudiosa juntou coragem para abandonar esse campo de conhecimento, visando a buscar outras formas de pensamento, no caso, o conhecimento Jamamadi. Ela conta que se sentiu maravilhada ao encontrar e descobrir a existência de outros mundos possíveis e formas diferentes de compreensão da realidade. Os Jamamadi consideram que as plantas são completamente diferentes da atribuição dada pela sociedade moderna. “A humanidade pensada por eles é pensada junto com as plantas de forma 'vegetalizada'. Isso é bonito e transformador”, completou.

A pesquisadora entende que a filosofia deve emergir, permitindo que o sujeito conheça o coletivo e admita a multiplicidade de mundos, dado o colapso em que este se encontra. E mais ainda, a pós-doutoranda afirmou, em citação à obra "Jean-Jacques Rousseau: a transparência e o obstáculo”, de Jean Starobinsk, que "a herborização como caminhar no ouvido tão somente pelo prazer, da observação das amizades vegetais, é a própria metáfora para o movimento do pensamento, da performance da reflexão científica e da meditação filosófica.

Seguindo os argumentos dados pelo pensador, a pesquisadora busca uma aproximação da herborização dos Jamamadi que, basicamente, realizam tarefas do cotidiano como o caminhar (seja em curto, médio ou longo percurso) observando cuidadosamente as plantas encontradas ao longo de suas trajetórias. Nesse olhar atento e ficcional, a ação de efeito gerativo engendrar o próprio crescimento delas, relatou. Além disso, Shiratori comenta que o olhar está divido em distintas atividades, como a busca por frutas maduras, palhas para coberturas de casas, cipós para cestaria, copaíba para óleo e remédio, dentre outras.

No entanto, a pesquisadora assegurou que essas atividades não têm uma finalidade prática ou restritiva, dado o interesse em observar a variedade de crescimento e sua importância, o que pode gerar discussão sobre a origem, como por exemplo: quem a plantou? É de algum parente? É de algum espírito?  De acordo com ela, esses questionamentos determinam as relações que se estabelecem, pois as plantas estão presentes no parentesco, na rede de relações sociais, ou simplesmente, na apreciação da companhia e beleza do desenvolvimento de seus parentes vegetais.  Para a pesquisadora, o estudo não transfere ao povo Jamamadi o pensamento de Rousseau, mas transformar o abismo existente para algo relacional.

Sobre os Jamamadi  

O povo Jamamadi faz parte de um grupo indígena que habita o sul do estado do  Amazonas, compreendendo as Áreas Indígenas Caititu, Igarapé Capana, Inauini/Teuini e Jarawara/Jamamadi/Kanamanti. Estão entre os grupos indígenas da região dos rios Juruá e Purus, próximo ao município de Lábrea/AM, distante 852 quilômetros de Manaus.

Na década de 1940, sofreram os impactos do segundo ciclo da borracha, que atraiu milhares de migrantes. Com estes, vieram doenças, violentas disputas territoriais e exploração da mão de obra indígena. Desde então, aquele povo esperou por décadas até terem seus direitos territoriais assegurados, sendo preciso iniciar uma campanha de autodemarcação das terras, com apoio de algumas Organizações Não Governamentais (Ongs), para então conseguir a demarcação oficial, concluída só em agosto de 2003.

NEAI

O Núcleo de Estudos da Amazônia Indígena (NEAI) é um grupo de pesquisa vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) e ao Departamento de Antropologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam). O NEAI congrega pesquisadores, professores e estudantes de diferentes áreas do conhecimento, que se dedicam ao estudo e pesquisas sobre temas e problemas relacionados aos povos e comunidades tradicionais. Os resultados das atividades objetivam contribuir para o fortalecimento da pesquisa em Etnologia na Ufam e subsidiar atividades de ensino, extensão e intervenção.

O Núcleo desenvolve suas ações através de pesquisas coletivas e individuais, projetos de extensão, encontros, palestras, seminários, seções de estudo e cursos de curta duração. De modo especial, tem a participação de estudantes indígenas interessados na reflexividade sobre seus modos de vida e de suas cosmopolíticas, contribuindo para a sistematização desses conhecimentos e para a elaboração de teorias nativas expressas na publicação de textos monográficos e artigos científicos.

 

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