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Professor Tom Zé se despede da carreira acadêmica

  • Publicado: Segunda, 22 de Julho de 2019, 16h41
  • Última atualização em Quarta, 31 de Julho de 2019, 11h41
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Cine & Vídeo Tarumã permanece até hoje com a proposta de exibir e debater filmes alternativos ao circuito comercial de cinema

Por Cristiane Souza
Equipe Ascom Ufam

Estou organizando as coisas, vendo onde vão ficar as revistas, as fitas, os filmes”, revela o professor Antônio José Vale da Costa. E não é pra menos, já que a despedida da atividade acadêmica se formalizou no último dia 15 de julho, depois de mais de 30 anos como docente na Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Sem dúvida, das gerações de jornalistas egressos da Instituição, desde os anos 1980 até hoje, não há quem desconheça o professor Tom Zé, marcado pela personalidade forte e pela luta sindical, mas também por duas de suas paixões profissionais - a fotografia e o cinema.

De nacionalidade francesa, Antônio José Vale da Costa nasceu na comuna de Montargis, mas chegou ao Brasil com apenas um ano, acompanhando os pais portugueses que tinham sido convidados pelo tio dele, um comerciante que fizera carreira no Amazonas em meados do século XX. Mas a vida não foi fácil para o jovem Tom Zé, que começou cedo a trabalhar para ter o próprio sustento. Hoje, o professor se recorda da preparação que fez, ainda no colegial, para cursar Medicina na então Universidade do Amazonas (UA).

Medicina ou Jornalismo?

“No colegial, naquela época, você tinha o científico, o clássico e o normal, que era para a formação de professores. Então, quem queria entrar para área das humanidades, fazia o clássico; quem queria as exatas, fazia o científico. Eu fiz o científico, mas, na hora de fazer o vestibular, eu percebi que ia ser difícil conciliar porque eu já trabalhava – eu tinha que me virar – meus pais não tinham grana. O curso de medicina era mais ou menos recente – da década de 60 para 70 – e basicamente quem fazia era de fora, eram os chamados excedentes...”, conta o professor, que, na última hora, optou por tentar jornalismo.

“E tem outra coisa – eu gostava e tinha facilidade para escrever – e acabei me identificando mais com o jornalismo, ainda bem, porque eu acho que não saberia mesmo lidar como corpos abertos e coisas desse tipo”, comenta aliviado o professor Tom Zé, entre risos. Mais do que essa decisão de mudar de área de repente, a maior surpresa para ele foi mesmo a de ter sido aprovado em segundo lugar no curso e de ter obtido uma das cinco melhores notas daquele exame de ingresso para a única instituição de ensino superior no estado. “Eu comecei procurando de baixo para cima. Ia ficando mais nervoso enquanto subia e não via meu nome. Fiquei muito surpreso com aquele resultado”, confessa o professor Tom Zé.

À época, ele já trabalhava na empresa Emater, na função de redator. “O curso era noturno, portanto, daria para eu conciliar com o trabalho. No segundo ano da graduação eu fui trabalhar na Emater, onde eu fiquei vários anos e cheguei a ter funções de chefia”, lembra o docente, ao contar saudoso como se faziam os “vídeos” naquele tempo: “Na verdade, não existiam vídeos ainda, então, a gente fazia slides sonorizados. Fazíamos todas as fotos e depois inseríamos o som. Era como se fosse um documentário, mas com fotos. Depois acabou”. Paralelamente, ele passou a trabalhar na então UA como professor colaborador, ainda no ano de 1976.

Na Universidade e fora dela

Praticamente inevitáveis em qualquer local de trabalho – quiçá naquele contexto histórico – vieram algumas questões políticas que se tornaram irremediáveis na então empresa onde o Tom Zé passou a assumir algumas funções de liderança. A insatisfação com aquele ambiente hostil e improdutivo, aliada ao convite para lecionar no curso de Jornalismo da UA, levou o jornalista a tomar a decisão de ingressar nos quadros da Universidade como docente de carreira, no ano de 1986. Ainda em 1984, o curso tinha passado para a manhã, outro fator que o impediu a prosseguir com a carreira na iniciativa privada.

Um detalhe interessante dessa história é que o professor Tom Zé, habilitado em jornalismo e em Relações Públicas, ingressou numa cadeira do curso de RP. Logo que entrou, ele lecionava disciplinas do tronco comum, a exemplo de fotografia, cinema e ética em comunicação. Mais tarde, uma readequação entre as grades permitiu que finalmente o professor Tom Zé passasse a lecionar disciplinas para as turmas de jornalismo.

Por um tempo, foi colaborador do Jornal do Commercio, escrevendo matérias especiais a respeito de cinema, e fundou, em parceria com outros colegas jornalistas, o Jornal Porantim, vinculado à Arquidiocese de Manaus com enfoque na questão indígena.

“Esse projeto foi tocado ao lado de grandes figuras, como o Narciso Lobo e o Ribamar Bessa. Nós nos reuníamos aos sábados para as reuniões de pauta, na Arquidiocese. As primeiras edições eram impressas no mimeógrafo [usado para fazer cópias em grande escala pela reprodução de um tipo de papel chamado estêncil]; depois passamos a fazer em formato tabloide. Com o tempo, o jornal perdeu fôlego e a CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] assumiu a publicação em Brasília”, conta o professor Tom Zé.

Vinculado ao Conselho Indigenista Missionário, o Porantim é o periódico mais antigo do País a debater a temática. Leia mais na reportagem “Memória e luta: Porantim edição 400 – Da imprensa alternativa à internet, o jornal completa mais um ciclo rumo aos 40 anos”. Curioso é que, segundo o professor, o jornal tem a mesma logo até hoje.

A luta sindical

Dono de uma personalidade inquieta, o professor encontrou guarida também na luta sindical dentro e fora da Universidade. Primeiro, montou chapa com o jornalista Aldísio Filgueiras para concorrer ao sindicato classista. “Lá pelos anos 1980, devido ao curso de Jornalismo, os profissionais foram adquirindo um novo perfil. Nós queríamos melhores condições de trabalho, nós queríamos tirar aquele estigma de pelego que o sindicato tinha, e fizemos as nossas propostas. Nossa chapa venceu e ficamos por três anos no sindicato”, conta o docente.

Mais tarde, já na condição de professor universitário, Tom Zé avaliou que estaria mais apto a lutar pelos interesses da classe docente da UA. “Eu não estava mais ali na redação, não conhecia mais tão bem aquela realidade dos jornalistas no cotidiano, então, eu fui procurar a ADUA [Associação dos Docentes da UA], isso já no início dos anos 1990”. E foi lá que ele deu continuidade à luta sindical de forma paralela a outras atividades.

Cineclube & Cine & Vídeo Tarumã

Enquanto isso, o cineclube sempre foi uma paixão, levando-o a assumir diversos projetos. Um deles, ainda na década de 1970, foi o do Cineclube da Aliança Francesa, onde fora aluno da professora Nereide Santiago e por ela convidado a encabeçar a ideia. Esteve à frente também do Cineclube Silvino Santos, que funcionava no SESC, resultado da transformação do antigo Cineclube Varig, que fora dirigido por José Gaspar, nos anos 1960.

A história compartilhada entre Tom Zé e o cinema tomou ainda mais forma quando foi criado o Cineclube Tarumã, um formato de cinema itinerante que tinha sua base nos auditórios Doutor Zerbini, da Faculdade de Medicina da UA, e Alberto Rangel, na Biblioteca Pública do Amazonas. A década era 1980; e os filmes abarcavam a produção nacional, o cinema alemão e o francês etc. “O homem que virou suco, por exemplo, exibimos umas 15 vezes. O cinema itinerante era uma atividade política, um modo de fomentar o debate crítico”, recorda.

Já na década de 1990, teve início o Cine & Vídeo Tarumã, coordenado pelo professor Tom Zé até o momento de sua aposentadoria. “Nós começamos com uma exibição de filmes em televisor e videocassete. Tudo muito simples, mas sempre com a proposta de levar o público ao exercício do diálogo por meio da linguagem do cinema”, lembra o professor.

Na longa trajetória como projeto de extensão, com exibições sempre ao meio-dia, no auditório Rio Negro do antigo Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) e atual Instituto de Filosofia, Ciências Humanas e Sociais (IFCHS), o Cine Vídeo seduziu, por assim dizer, muitos dos discentes de Comunicação Social – que lá atuaram como bolsistas – a seguirem pelo caminho do audiovisual. “Eu penso que tem sido uma importante referência no sentido de despertar nos alunos o interesse pelo cinema”, diz o professor, que ajuda a formar as novas gerações de cineastas.

Leia a reportagem de Pâmela Eurídice para o Cine Set, um portal voltado para a temática – Cine & Vídeo Tarumã: 7 relatos sobre o cineclube da Ufam, na qual os egressos Arthur Charles, Paula Carvalho, Hector Muniz, Clayton Nobre, Susy Freitas, Antônio Carlos Júnior e Sávio Stoco compartilham seus aprendizados com o mestre Tom Zé, com quem embarcaram em diferentes momentos nessa aventura através do audiovisual. Depois da aposentadoria, ele deixou o projeto sob a liderança da professora de Relações Públicas Aline Lira, naturalmente, tendo em vista que ela já era a vice-coordenadora da atividade.

Aqui, Tom Zé construiu uma trajetória que inclui como grandes marcas a paixão pela fotografia e pelo cinema – digamos – não convencional, assim como pela luta sindical. Tudo isso numa história de mais de 30 anos como docente desta Instituição e cujo legado permanece vivo na memória dos colegas de profissão, a exemplo do professor Walmir Albuquerque, além, é claro, daqueles que aprenderam com o mestre o exercício de lançar um olhar diferenciado sobre o mundo em volta, de questionar e de debater sempre.

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